terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Plágios do meu Eu

Quanto a mim, fico por aqui comparecendo a atos públicos, entre uma e outra carreira, pichando muros cheios de terrorismo poético, em plena ressaca, um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, um dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda. Éramos diferentes, ai como éramos diferentes, éramos melhores, éramos mais, éramos superiores, éramos escolhidos, éramos vagamente sagrados, mas só conseguir te possuir me masturbando, pois tinha a biblioteca de Alexandria separando nossos corpos. Não que fosse amor de menos, dizíamos sempre o contrário, era amor demais, você acreditava mesmo nisso? Naquele bar infecto onde costumava afogar minhas impotências em baldes de lirismo juvenil, imbecil, e eu disse não; é como bons-intelectuais-pequenos-burgueses, havia em tudo uma narração de um filme alternativo qualquer, onde traços e cores sempre estiveram presentes demais, talvez acima de real-virtual, amor-sexo, fidelidade-lealdade. Angústia, tempos de convívio cotidiano, mas ando, ando, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essas histórias de atraiçoamos-todos-nossos-ideiais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha, veja só que coisa mais individualista elitista, capitalista, só queria ser feliz, burra, gorda, alienada e completamente feliz, cara. Já li tudo, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora o que faço? Já sei tudo de mim, tomei mais de cinqüenta ácidos, fiz anos de psicanálise, já pirei de clinica, lembra? Não estou bêbada nem louca, estou lúcida pra caralho, e sei claramente que não tenho nenhuma saída. Passo uma semana a ban-chá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina. Os homens são tão necessariamente loucos que não ser louco seria outra forma de loucura. Necessariamente porque o dualismo existencial torna sua situação impossível, um dilema torturante.
Naquele momento especifico, por uma predileção, tendência, símbolo, sintoma ou como queiram chamá-lo, pessoas, ao rock inglês alternativo, aos cafés amargos, aos tabacos fortes. E ao fato de haver uma história em suspenso? Não digamos assim, pois uma história nunca fica suspensa: ela se consuma no que se interrompe, ela é cheia de pontos finais, o que a gente imagina que poderia ser uma continuação não passa de um novo capítulo, eventualmente conservando as mesmas personagens do capítulo anterior, mas seguindo uma ordem cujas regras nos são ilusórias, às vezes familiares? Ou inteiramente aleatórias? A verdade é que se chega sempre longe demais quando não se quer ir direto aos fatos. Assim lentos, assim amargos, assim fortes até. Sobrevivendo à morte de todos os presságios.
Há um excesso de cores e de formas pelo mundo. E tudo vibra. Só às vezes julgo compreender. Então tenho vontade de abrir todas as janelas da casa para que o sol possa entrar.
Era só meu aquele esforço, eu soube, e essa talvez tenha sido a primeira vez em que te surpreendi existindo, paralelo entre mim e você. Oníricos, trocávamos sonhos os dois. Do teu dia quase não sei mais, mas sei do teu labirinto, e também não entendo. Caminhas em busca do teatro para entrar em cena e desempenhar o teu papel de sonho do sonho de outro. Mas – sei, sabes, sabemos – as uvas talvez custem demais a amadurecer. E quase não temos tempo.
Tudo como se fosse uma outra espécie de felicidade, esse desembaraçar-se de uma também felicidade. Emersa, chafurdava emoções: tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausta, então, afogava-se num sono sem sonhos, por vezes – quando o ensaio geral das emoções artificialmente provocadas.
Alguma coisa explodiu, partida em cacos. A partir de então, tudo ficou ainda mais complicado. E mais real. Já havia ali, ou em mim, ou como for que seja, outra pessoa. Que mais me podes dar, que mais me tens a dar, a marca de uma nova dor, novo amor, enfim, seja. Muito mais que com amor ou qualquer outra forma tortuosa de paixão, será surpreso no que olharás agora, porque este outro nada sabes sobre o próprio poder sobre mim, e neste exato momento poderia escolher entre torná-lo ciente de que dependo dele para que me ilumine ou escureça-me assim, intensamente, ou quem sabe orgulhoso me negar o conhecimento desse estranho poder, para que não me estraçalhe impiedoso, numa paixão, que existe a poucos dias, e parece existir desde sempre, posta agora, como cartas na mesa para que comecemos a jogar.
Mas porque as coisas são mesmo assim, talvez por certa magia, predestinações, caminhos ou simplesmente acaso, quem saberá, ou ainda por natural que assim fosse, menos que natural, inevitável, fatalidades, trágicos encantos – belíssimos.

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