sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

A imortalidade das raízes

A respiração profunda e o semblante terno só escondiam um único fato. O fato de que dentro dela, emoções mórbidas e silenciosas já brotadas há muito tempo permaneciam ali vivas. Brotar. Como assim brotar? Emoções não eram como plantas, porque aquelas que estavam ali já não haviam sido regadas há muito tempo, pelo contrário, já haviam sido pisadas, esmagadas, queimadas e afogadas, mas no fundo daquela terra, de certa alma, suas raízes permaneceram imóveis, e sem sentido continuavam a brotar. Como plantas imortais, com os sentimentos mais celestes, algo de profano existia neles.
Algo encravado havia. Coisas que nem o melhor solvente conseguiria abater. Dentro dela esses tais devaneios permaneciam fixos, junto com desejos oníricos, ordenado a uma fisionomia por vezes vã. Um dia aqueles sonhos foram compartilhados, mas com a desintegração daquelas duas almas, deveriam extinguir-se então tais devaneios. Porém não foi o que ocorreu.
Sonhava só, como se o decorrer desse sonho tudo continuasse existindo como era anteriormente. Um passado próximo, mas que para ele aos olhos dela, parecia ter se suprido no espaço. Talvez numa atmosfera distante existisse um passado jogado ao vento.
Aquelas sensações continuavam brotando, carregando certo desespero agudo, acoplado seguidamente de uma paz. Mas era uma paz tão branda que seu corpo ali imóvel ficava, tomado por uma morfina qualquer naturalmente produzida pelas tais raízes, presas em si.
Os esforços pareciam em vão, entretanto a certeza de um final feliz lhe dava a seiva de continuar persistindo numa causa que o único fundamento era um mero sonho. Sonhos que um dia viveram dentro deles, e naquela época era pleno alento. Alento que manteve dentro dela a certeza de um futuro que não veio a ocorrer, porem seus efeitos colaterais eram mais violentos que cocaína. O vicio. A fissura. O desejo. O ódio. E a satisfação.
Respirava tais raízes. E se arrebatava então entre esperanças de palavras um dia citadas por alguém que parecia ter esquecido ou desejar esquecê-las, jogado-as no ar, para que o universo as dissipasse.
Seu único anseio era para que suas plantas fossem regadas. E que voltassem a brotar, porém não só. O estar solitário não era necessariamente o estado de encontrar-se sem ninguém. Mas sem aquele que faziam crescer suas raízes, e cuidá-las enfim. Estava tão distante, não só carnalmente, mas seu íntimo estava longe. Parecia recuar-se então quando ela instigava a mostrar que estava presente. Encontrava-se onde sempre esteve; sentindo os mesmos anseios. E desejava, ah! Se desejava que ele também os pudesse sentir. No fundo acreditava que tudo aquilo ainda existida nele, e esperava que só bastasse certo tempo para que tudo se conduzisse ao desfecho esperado. Como sempre foi.
Quiçá desta vez seria diferente, e se díspar de fases anteriores onde à certeza de que no final tudo daria certo aliviava as emoções chafurdadas dentro de si. Desta vez, por diferente que seria o desenrolar do enredo, não seria fácil matar suas emoções e se entregaria a lastimar por dias, tentando seguir num futuro ilusório, um plano B de vida criado no desespero de um suplício.
Contudo, as raízes permaneceram fixadas numa única alma, a espera do outro para que fossem, quem sabe, um dia regadas novamente, pela singular causa quão as tornavam imortais.

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